Entre as chuvas e as bombas vive um povo belo...
Essa semana
recebi um recado de uma menina me perguntando se eu acho que vale a pena morar
em Belfast. E depois de uma boa avaliação e um verdadeiro “texto” via facebook
cheguei à conclusão que sim, Belfast foi uma das melhores escolhas que fiz. Dublin
é uma cidade viva, ativa. Mas Belfast tem cicatrizes, tem história, tem uma força
misteriosa e gosto de ter vivido isso. Só entende Belfast quem foi além do
turismo, quem não só percorreu aquelas ruas, mas conviveu com aquele povo, conheceu
seus medos, sua realidade.
Mesmo 22
anos depois do último ataque de uma guerra sangrenta eles ainda vivem a tensão
de morar em uma cidade dividida e machucada. Um lugar aonde você não pode nem
se quer ouvir One do U2 muito alto, pois pode ofender alguém. É quase impossível
encontrar um norte irlandês que não tenha sido atingido de alguma forma por essa
história toda. Mas o pior de tudo é que já passou de ideologia religiosa e se
transformou em ódio e vingança. Você pode não ser muito religioso, mas vai para
sempre ter raiva daquele outro lado que matou o seu avô, ou destruiu sua
família. Os bairros ainda são divididos, as escolas também. A única área
realmente comum da cidade é exatamente a parte que o turista quer ver.
Passei por
um episódio inesquecível aonde tive a certeza de que aquelas seqüelas ainda vão
ser vividas por muito tempo. Em mais um dia normal um rapaz esqueceu sua
mochila no café aonde eu trabalhava. Nunca vou esquecer aquela vontade de sair
correndo daquele lugar o mais rápido possível e ainda ter a certeza de ser a
responsável por toda aquela gente, por aquele local. O seu coração acelera na
hora que alguém pronuncia aquela palavra que nós, brasileiros, não conhecemos
no nosso cotidiano, mas eles são bem íntimos: “bomba”. Mesmo tanto tempo depois
aquilo pareceu uma realidade tão próxima, de repente era como se ainda vivêssemos
naquele tempo de guerra aonde tantas pessoas morreram em ataques exatamente
como aquele, em cafés não muito longe dali.
No fim era
só uma mochila que um cara, um estudante, na verdade, havia realmente
esquecido. Mas aqueles segundos de tensão entre o corro ou não corro e achar um
ser corajoso o suficiente para abrir a mochila e verificar seu conteúdo foram
cruciais para me fazer ver que por mais que os tempos sejam de paz, muita coisa
ainda está viva na memória e nos corações daquele povo. Que é muito mais receptivo
que os irlandeses do sul. Não estão saturados de estrangeiros e querendo
expulsa-los de sua terra. São convidativos, educados, querem te conhecer melhor
e acima de tudo, não admitem que você tenha saído do ensolarado Brasil para
viver em um país aonde a pluviosidade é realmente significativa em, pelo menos,
200 dias por ano.
Então essa
foi a resposta que dei a minha xará quando perguntada sobre a vida em Belfast. Se
você é uma pessoa que, como eu, se intriga pela realidade de um povo, vai se
encantar por essa cidade charmosa, vitoriana. E conhecerá locais como o Europa
hotel, bombardeado 27 vezes durante a guerra e ainda está de pé, em pleno
funcionamento. E os murais da Shankill Road, cheios de ódio, mas que mostram a
realidade de uma nação que sofreu pela ignorância humana. Incapaz de aceitar
suas próprias diferenças. Mas de exemplos assim estamos cheios ao longo da
história e nós não parecemos ser capazes de aprender com nossos erros.
0 comentários:
Postar um comentário